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Morreu anteontem Otavio Frias Filho, director da Folha de São Paulo. Desde aí tem andado comigo “Queda Livre – Ensaios de Risco”, livro – na edição portuguesa pela extinta Palavra – com textos sobre algumas experiências do autor, geradoras de medos, especulações e pesquisas. Como a de saltar de pára-quedas : “Pára-quedismo é seguro, alpinismo e mergulho também; estatisticamente, tudo é seguro. O problema é que a estatística não tem muito a dizer para cada caso individual”.
Na hora do aperto, que é como quem diz, do salto, ocorreu ao aventureiro angustiado a frase, uma das preferidas do seu pai, que D.Sebastião terá endereçado ao próprio corpo enquanto o carregava para a batalha de Alcácer-Quibir: “Tremes, carcaça; pois tremerás mais ainda quando souberes para onde te levo!”.
Outras experiências aqui revolvidas são a de fazer uma incursão à Amazónia para visitar uma seita e ingerir um líquido turvo com o encargo de oferecer novos entendimento sobre o universo. A de descer ao fundo dos mares em submarinos, levando no bolso o catálogo, entre o informado e o neurótico, de situações em que, vá, as coisas não correram bem com a maquinaria. Existem outras, como a sagrada peregrinação do caminho de Santiago e a bem profana digressão pelas caves do sexo “transgressivo”. A última, a mais extrema, é a imersão nos negros labirintos do suicídio.
O meu ensaio preferido é sobre a experiência teatral de Otavio Frias Filho – ele que, começando por ter sido um espectador omnívoro de teatro (“Sempre que viajava ao exterior fazia peregrinações solitárias e melancólicas a todo o teatro disponível, na cidade que fosse, tendo conhecido inúmeras espeluncas em bairros ermos e assistido a espectáculos de todo o tipo e qualidade”), escreveu algumas peças e representou outras.
Começa assim essa prosa: “Eu estava em frente a um espelho de camarim, piorando a minha maquiagem a cada tentativa de consertá-la”. E esse tom autodepreciativo e autocrítico prolonga-se pelos amazónicos parágrafos dentro. Os estudantes de artes do espectáculo podem aqui encontrar pistas de conhecimento sobre diferentes métodos de direcção de actores e de funcionamento teatral.
Da experiência no teatro ficou-lhe o trauma de haver recebido uma vaia, o mesmo tipo de vaia que Nelson Rodrigues recebeu na estreia de “Perdoa-me por me traíres”. Acontecimento que veio apenas carimbar todas as suas dúvidas sobre o percurso a seguir como dramaturgo.
Conheço essa aversão ao síndrome “Eu ainda tive a oportunidade”, que se manifesta logo depois de um "famoso" morrer. Mas, no caso, permito-me a esse pecado internético de partilhar que conheci Otavio Frias Filho, por ser amigo de um amigo. Fiz-lhe uma entrevista há muitos anos no Rádio Clube Português e desse encontro ficou-me a discrição, a sabedoria e a inteligência rigorosas, sempre em voz baixa. E a elegância no trato de um dos grandes obreiros, das últimas décadas, do melhor jornalismo independente, exigente e - virtude maior - pluralista.
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