Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Resoluções para a rentrée: deixar de roer as canetas.
Os meus dois filhos e eu na fila para pagar. O mais velho tem na mão um jogo para playstation. O mais novo umas cartas pokemon. O pai um livro de poesia. Cada um leva para casa o seu jogo de computador.
- Tem cartão Fnac?
-Tem dois cêntimos?
- Tem felicidade para me dar?
- Tem a solução para os problemas da minha vida?
(Breve pausa)
- Vá, procure bem aí na carteira.
Vou dormir a sesta é uma frase que dá descanso a quem a pronuncia. Mesmo quem não a pratica devia dizê-la todos os dias.
A 14 de Agosto tornei-me pai do terceiro filho. Pouco tempo depois de ter nascido aproximei-me dele com uma T-shirt exibindo a seguinte inscrição: “Recibo Verde – since 1993”. Achei que devia prepará-lo para a realidade.
Ao perceber o que o espera, começou a chorar como nunca havia até ali chorado (a mãe açoitou-me) e depois dormiu como quem se tenta evadir do pesadelo laboral que irá viver daqui a uns anos. Doeu-me mas teve de ser. Foi um dever paterno.
Um momento marcou a estadia no hospital: o instante em que um agrupamento informal de pais, uns mais novos, outros da mesma idade que eu, outros ainda mais velhos, se reuniram à porta do registo para inscrever os pequenos como cidadãos, como corações institucionalizados de um País em desequilíbrio numa corda circense e entretanto alheado com o começo do campeonato de futebol.
Havia ali um silêncio feito de muito sono e, adivinhava-se, de dúvida: será que tomámos a atitude ajustada à intempérie financeira deste pedaço de terra e da vizinhança? Não houve conversa entre nós. Os homens ainda não se queixam uns aos outros de maleitas, físicas ou existenciais, nas salas de espera. Olhávamo-nos, de braços cruzados, exaustos, preocupados e, claro, felizes. Éramos sonâmbulos seres à porta da responsabilidade.
Não há nenhum motivo para procurarmos ser melhor pessoas. Desculpem, há um: a ficção. As razões que criamos para não abandonar esse objectivo.
Dá muito trabalho manter a esperança.
Ninguém já diz obrigado. Dizemos todos “thanks”. Obrigado, pelo seu duplo sentido, pesa muito. É assim uma coisa pomposa, um termo que custa expressar. Chega-nos da exigência paterna da boa educação – e cumprir exigências não apetece. Mesmo na vida adulta magoa agradecer em toneladas. Preferimos tornar a gratidão uma viagem de parapente. Thanks.
Na zona de comidas do Ikea há uma placa que diz isto: "Hoje, sinta-se sueco". É pena não haver uma na Segurança Social.
A grande missão da vida é ofendermo-nos uns aos outros. Como já ninguém se ofende, estamos aqui a perder tempo.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.