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Escrever as Melhores Palavras

por Nuno Costa Santos, em 27.02.14


Escrever algumas palavras faz bem ao coração. Não é preciso forçar sentimentos. É preciso escrevê-los. Ao escrevê-los uma vez estamos a chamá-los. Sem a repetição perigosa de um mantra. Nomeá-los por escrito é uma forma de os convocar. Aos poucos, que é para não fugirem como pássaros.

Poderia dizer que o gesto tem um efeito terapêutico se terapêutico não fosse um termo sem graça e sem brilho. Está longe de explicar o bem que faz escrever algumas palavras. E assim, sem me dar conta, já deixei cair duas vezes a palavra bem. Permitam-me a facilidade: escrever bem faz bem. E o contrário também é verdade. O abismo torna-se mais abismo quando é desenhado a cada minuto. O desespero também. Abrir-lhes a porta é decisivo mas para deixar entrar outras palavras como luz, possibilidade, gozo, hoje.

Tantas vezes escrevemos textos - diários, poemas, artigos de opinião, posts - em que sentimos que nos estamos a deixar conduzir pelo dicionário do ódio. Os textos de ódio - não os de raiva, sentimento mais produtivo quando transformado num passo luminoso - envenenam-se a si próprios. O ressentimento torna-se mais ressentido quando é registado.

Só de se escrever ressentimento cresce a sensação física de ressentimento, o furioso medo que traz em cada sílaba. Escrever a palavra generosidade abre a carteira do avarento. Escrever a palavra amor engana o demónio de quem odeia. Rouba a solidão ao eremita involuntário.

O guião desta vida que nos cabe merece (tão bom escrever a palavra merece) as melhores escolhas do dicionário. Escrevê-las ajuda. Pode ser que a última entrada do papel seja a palavra obrigado.

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publicado às 11:21

A Guerra Que Importa

por Nuno Costa Santos, em 25.02.14

Ontem celebrou-se a poesia dita no Povo (Cais do Sodré). Pudemos – o público que ali se demorava com terna atenção e os escribas que participaram nas noites poéticas das segundas à noite – segurar o volume que reúne os poemas destes criminosos da palavra impura. A reunião acontece há um ano e é orientada/acarinhada pelo Alexandre Cortez, pelo José Anjos e pelo Nuno Miguel Guedes. O segredo de justiça impede-me de revelar mais implicados.

Existe poesia de livro, poesia de vitrina, poesia para escrever em bilhetinhos à namorada dos 14 anos, poesia para condensar em SMS, poesia para mandar pela janela como quem oferece à rua aquilo que a rua um dia poderá descobrir. 

A poesia que passou ontem no Povo é a poesia impura, antes de mais nos temas: amor, sexo, biscoitos de pastelaria, eléctricos da cidade, infracções à lei, sílabas, ombros e almofadas, locomotivas, um país de cegonhas, guarda-chuvas estragados, caravanas que passam, Algés, danças africanas, botas pretas e cansadas, bocetas, máscaras que riem. 

Foi transportada por vozes muitas, umas festivas como um pássaro da Amazónia, outras lentas, melancólicas como uma rua de Alfama em noite de fado, outras ainda directas, zangadas com a distracção do transeunte.

Juntei-me ao instante numa mesa perto do microfone. Além dos poemas de famílias distantes (e por isso mais próximas), ficaram-me os rostos de quem foi convocado pelo José Anjos, exímio performer lírico-irónico, para dizer os versos do livro. O grafismo de cada cara, de cada coração, de cada maneira de se apresentar, de cada modo de se despentear. Uns lendo textos do livro, outros sacando do telemóvel, tecnológicos bardos de uma terra empenhada na mais urgente das guerras civis: a dos sentimentos que não se deixam ficar.

 

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publicado às 09:43

Segunda de manhã

por Nuno Costa Santos, em 24.02.14

Não é só a comidinha. Não é só a actividade física. Não é só o sono. Assisti a uma conferência TED na qual se defende com provas bastantes que um dos motivos para a longevidade de uma vida é a preocupação com os outros. Uma senhora com uma viagem extensa diz que olha para os desconhecidos como amigos que ainda não conhece. Aí está. Podia ser esse o segredo para uma transformação revolucionária de um mundo que já não se dá ao trabalho de levantar a cabeça: querer uma vida mais longa. 

A ideia está para além de todas as ingenuidades. Olhar para um desconhecido como um amigo potencial (e aqui o conceito de amigo é aquele em que estão a pensar - distingue-se da noção de confraria reduzida com a qual se conta em momentos últimos) não é, como se tornou convicção nestas rotundas do cinismo, submeter-se aos seus humores muitas vezes violentos e cruéis. Não começar a olhar para ele como um inimigo é já um princípio.

Os combates pelos direitos sociais políticos são a primeira parte da história. Não bastam. Falta o resto, falta: a respiração disponível de cada encontro na rua, no café, na mercearia, no tribunal, na enfermaria. A besta que em mim habita um dia vai compreender esse dado simples. Por isso escrevo sobre o tema, numa segunda de manhã.

 

 

 

 

 

 

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publicado às 08:46

Perfect

por Nuno Costa Santos, em 23.02.14

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publicado às 22:32

Marcelo

por Nuno Costa Santos, em 23.02.14

 

 

 

É difícil acreditar que, apesar da justificação afectiva para ir ao Coliseu, uma mente tão danada como a de Marcelo Rebelo de Sousa não tenha desenhado e previsto o que iria dizer no congresso do PSD e como o iria dizer. E que não tenha antecipado a acesa reacção dos congressistas. 


Topei o número de longe, durante um jantar, e percebi que o registo entre a narração da pequena história da fundação social-democrata, a stand-up comedy e a frontalidade de manter a discordância em relação à insensibilidade social do actual governo Passos iriam deixar uma marca. 

O motivo veio da pasta do inesperado. Num determinado sentido aproximou-se do argumento que Cavaco usou para ir à Figueira: estava a fazer a rodagem da viatura. Ao contrário de Aníbal, Marcelo, figura de rasgos, é homem para rodagens de inspiração. Mas nele a estratégica, sempre com uma componente lúdica, não é apenas um objecto de análise dominical. A presidência da República parece mesmo ser um trono apetecido.


Nunca fui aluno de Marcelo mas cruzei-me com a sua esquiva e brilhante figura na aridez da Faculdade de Direito de Lisboa. Um dia fomos - eu e o Alexandre Mestre, ex-secretário de Estado do Desporto - ter com ele com a ideia de lhe fazermos uma entrevista para um jornal da associação académica. Antes da conversa, achou-nos desorganizados. Fazendo uso dos braços com que se explica nos comentários, alinhou-nos à sua frente como quisesse ensinar alguma disciplina a uns rapazinhos na casa dos vinte. 

É essa faceta de Marcelo, menos conhecida, que poderá ser importante para a felicidade de uma eventual candidatura. Sim, falta saber se, caso avance, os portugueses vão querer alguém que com a idade foi deixando de ser tão imprevisível mas ainda mantém um espírito travesso pouco sedutor para um povo no geral desconfiado de tudo que não lhe pareça "sério" e "seguro".

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publicado às 13:26

Alongando-se

por Nuno Costa Santos, em 22.02.14

 

 

 

 

Que luz existe mais doce do que esta

de um Fevereiro a romper,

5:05 da tarde, ou por aí,

desafiando só a claridade?

 

Os caixotes do lixo estão vazios,

tombados no passeio,

as árvores neste pequeno parque

acolhem neve velha à sua sombra,

 

mas um pássaro canta o seu canto rouco,

que rompe a nuvem de ramos expectantes,

e uma nuvem a sério torna-se carmim

no azul novo que se tornou mais longo.

 

"Ponto Último e Outros Poemas", John Updike (Civilização Editora)

 

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publicado às 10:31

As Chaves da Casa de Banho

por Nuno Costa Santos, em 22.02.14

Nestes dias de congresso do PSD, atormenta-me um tema mais urgente: por que é que as fechaduras das casas de banho das casas dos nossos amigos, conhecidos e familiares quase nunca têm chave ou estão escangalhadas até ao fim dos tempos? É que não é dos instantes mais encantadores ser visitado por alguém quando nos apresentamos num registo menos apresentável. 

Os gritos de “está gente!” são em geral tardios e não impedem que um tio desse amigo, um cunhado desse conhecido ou uma prima em quarto grau invadam com legitimidade os domésticos lavabos e nos apanhem em poses e práticas menos exemplares. São imagens que, mesmo com o mais robusto dos esforços, nunca se apagam da memória. Chocam mais do que uma intervenção do Marco António Costa.

Onde é que estão essas chaves? Estarão escondidas na caixa das jóias? O gato roubou-as? A criança meteu-as no bolso e atirou-as pelo janelão? Pouco interessa. É premente ir buscá-las. Restituir-lhes a grandiosa utilidade. Ajudem-nos a manter a dignidade, senhores. Façam alguma coisa pelos direitos do homem.

 

 

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publicado às 10:21

Eu Já Não Tenho Idade Para Isto

por Nuno Costa Santos, em 21.02.14

Há uma frase que acaba com qualquer conversa: “Eu já não tenho idade para isto!”. É um argumento de autoridade que não permite contra-argumentações. A discussão acaba aí, sem possibilidade de recurso. Quando alguém emite a sentença cai um silêncio antigo, chegado de um reinado imperturbável, de um planalto divino, de um mosteiro distante e inacessível. É como se Deus descesse sobre quem faz a afirmação e carimbasse definitivamente o instante: “Eu já não tenho idade para isto!”. 

A partir de que idade é que se pode usar o argumento? Não é assunto regulamentado, o que tanto dá legitimidade para o usar a um homem de 70 que joga à sueca com amigos batoteiros como a um miúdo de 12 anos perante um rapaz de 11 que lhe faz uma rabia no recreio. Só há um requisito indestrutível: o tom com que é dito deve ser um tudo nada enfadado.

O assunto é de uma importância maior, sim. Alguém que tem razão num determinado assunto perde-a quando leva com um “Já não tenho idade para isto!”. É o totalitarismo etário, seja ela qual for. Dá para vencer discussões ao pequeno-almoço e em debates televisivos. Se um réu, após saber os termos da sua condenação, alegar que já não tem idade para isso pode ganhar o direito a seguir em liberdade, seja ou não culpado de um crime grave.

É uma arma, sim. Mas só é uma arma quando é usada com escrupuloso rigor. Há dias, perante alguém que me ordenou que "tinha que" seguir um determinado procedimento, aleguei, inflamado: “Eu já tenho 40 anos!” (é mentira, tenho 39 mas o arredondamento tornou-se necessário). Isso não demoveu o meu adversário. Meio segundo depois arremessou um torpedo tramado: “E eu já tenho 50!”. 

Se me tivesse limitado a usar o grande argumento, não teria levado com esta técnica de Kung Fu. Dei um tiro ao lado. Perdi a guerra. Para a próxima ninguém me apanha na esquina. Já não tenho idade, não.

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publicado às 22:51

Isto é Ridículo?

por Nuno Costa Santos, em 19.02.14

"Her - Uma História de Amor de Spike Jonze" é a "Árvore da Vida" do digital, até sob o ponto de vista estético (é polvilhado de flashadas e imagens de humana beleza num registo de videoclip). Aqui, sabe-se, a transcendência passa pela paixão que um ser humano pode desenvolver por uma máquina. Ou por pessoas que se escondem atrás de uma máquina - o que vai dar ao mesmo.

Encolhido na sua cadeira, o cidadão pergunta: será este filme ridículo ou estamos todos a ficar ridículos? É um sentimento que fica até ao fim da narrativa (a cor das camisas do protagonista também). O romantismo que vai desenvolvendo por uma voz - gerador de compreensíveis risos nervosos na sala - que lhe faz companhia e com quem partilha todos aqueles instantes de sedução e encantamento de que se fazem as relações será um delírio de argumentista ou a chata realidade, ampliada em versão cinematográfica? A dúvida fica e ainda bem - de sentenças incómodas está este jardim cheio. 

Cai apenas a certeza de que não é possível a este filme, apesar de todas as suas ambições de tragédia romântica virtual e da performance fulgurante do moço Joaquin, passar sequer um vestígio do que é a sintonia entre corações. Estão lá todos os avanços e recuos, os charmes e as desilusões. Mas o que fica é a solidão de um homem tão vasta como a rede onde se espalha.

 

 

 

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publicado às 18:36

Estar na Berra

por Nuno Costa Santos, em 18.02.14

Quem diz "está muito na berra" não está definitivamente na berra. Ou quem diz "está muito na moda". "Estar muito em voga" remete para um passado de revistas dos anos 50. Convenhamos que a expressão "estar muito na berra" não era das mais apropriadas e elegantes. Dizer que um vestido está muito na berra faz imaginar um vestido aos gritos e isso podia entusiasmar o cidadão André Breton mas não leva hoje ninguém ao rubro (outra expressão que não deverá ser das mais contemporâneas).

Presumo que "é o que está a dar" já não esteja a dar. O "está a bombar", apesar de poder ser ouvido nalgumas esquina, leva-nos para um universo de Boom Festival e nem sempre apetece a uma pessoa andar aos saltos com uma garrafa de água das pedras na mão. Digam os elementos das novíssimos que por aqui circulam qual a expressão para exprimir a ideia de algo está em alta, outra expressão para mandar para o lixo. Estou out. Preciso de ajuda.

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publicado às 09:01

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