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Peço uma sandes de presunto.
- Com ou sem manteiga?
- Sem. E uma imperial.
Na mesa à minha frente um casal almoça um dos pratos do dia. Chocos, acho. Muito moreno ele, blazer aos quadrados, bigode à Omar Sharif. Ela de blusa branca e larga, rosto cansado de quem chegou de um sono recente.
São ciganos. Não falam um com o outro. Olham a dança dos petiscos, a coreografia dos digestivos.
Sem aviso o homem faz-me uma pergunta. Não percebo. Repete. Quer comprar um polo? Recuso. Volta a perguntar. Digo que não. Levanta-se e estende-me vários em cima da mesa. Azuis, amarelos, brancos, pretos. Preço bom. Recuso. Bebo mais um gole de cerveja, trinco o presunto sem manteiga. Digo que não. O homem enfia um dos polos num saco de plástico, semeia-o junto ao meu cotovelo esquerdo. Digo que não. Estou interessado.
Antes de sair passo por eles e digo que a nota que tenho na carteira não paga o preço.
- Leve-o consigo. Confio em si – diz-me o homem.
Nelson Rodrigues atravessaria três desertos para ouvir alguém dizer: “Nelson, você é um dos meus amigos fundamentais”. Naquele momento, numa tasca em Campolide, eu atravessaria três desertos para ouvir alguém dizer: “Confio em si”. Quem é que hoje diz “confio em si”? A frase veio de um sítio qualquer, distante, não do outro lado da rua e do calendário de 2015. Um lugar e um tempo tão antigos como o prédio que pisávamos na hora do repasto.
- Depois traga o resto do dinheiro. Entregue-o ali no balcão e diga que é para o Lopes.
Às vezes confio em mim. Mas é melhor fazer já o lembrete.
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