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Joana Emídio Marques empurra a maior parte da antologia da poesia de Rui Pires Cabral para o limitado gosto daqueles que fizerem inter-rails, leram Al Berto e usaram Doc Martens. Ou para “leitores com atitude adolescente” que encontram nos poemas“o conforto das coisas conhecidas”.
Pede no gesto ajuda a Deleuze para afirmar que “escrever não é contar as lembranças, as viagens, os amores, os lutos, os sonhos e fantasmas”. Formulações como “escrever não é” e “escrever é” falam por si, não merecem grande glosa. Ditadas por Deleuze ou pelo intelectual do jornal da junta. Mas já que Herberto foi invocado como contraponto exemplar a esta literatura dos dias pode invocar-se outro escritor importante que também morreu recentemente: Tomas Tranströmer. Que escreveu “As Minhas Lembranças Observam-me” (Sextante, 2012), livro - no caso de prosa - que não é mais do que aquilo que parece: sóbrio relato das recordações que o escritor mantinha dos seus primeiros anos. Foi-lhe necessário fazer uma ordenação de polaroids, episódios banais, escritos de uma forma seca, sem conclusões.
Joana Emídio Marques pede grandes favores à poesia: “Um poema que não altere a nossa percepção do mundo, do tempo, dos outros, serve para quê?”. E a gente a pensar que a poesia pode ser muitas coisas e que a ideia de a poesia servir não é das melhores. Se é para servir deve vir com um manual de instruções. Ora é isso que o texto parece que tenta dar: um manual de instruções sobre o que é a poesia e sobre o que não é. Mais: sobre o que é a literatura e sobre o que não merece o qualificativo. Não estamos no domínio do questionamento. Estamos no domínio do normativo. A poesia, defende-se, deve abrir caminho para “profundidades escondidas”. Olhe que não, olhe que nem sempre.
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