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Justa Medida

por Nuno Costa Santos, em 28.02.18

 

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Se Alexandre O’Neill, o poeta que cultivava o desdém pelas instituições da literatura, iria aprovar “E a Minha Festa de Homenagem?”, organizado por Joana Meirim e editado por estes dias pela Tinta da China? É provável que não. Até o gosto pela anarquia requer o cumprimento de um regulamento coerente. Se isso é importante? Também não. O volume está aí e é feito de uma dança sóbria de olhares sobre a obra do autor de “Entre a Cortina e a Vidraça”. À excepção de alguns instantes, como os “exercícios” poéticos de Ramiro S.Osório, o início da prosa de Gustavo Rubim, em que este assume manter com a poesia de O’Neill uma relação pessoal, ou a referência, num texto, à circunstância em que "Sigamos o Cherne!" ganhou notoriedade mediática, o livro é um cardápio de ângulos académicos de interpretação da escrita do autor de “Tempo de Fantasmas”.

Quem só o conhece do desfrute ocasional poderá ficar a conhecer algumas dimensões do tom e do estilo. Quem já lhe conhece as marcas fará a revisão da matéria dada. A assumida missão de “dégonfler”, de tirar peso às coisas, o seu pendor prosaico, a sua aparente pouca preocupação com uma carreira literária, a sua recusa em assumir-se como poeta satírico, emblema que muitos lhe quiserem pôr ao peito, a autoironia e a autodepreciação recorrentes do “caixadòclos”, uma “extravagante poética, que mistura realismo e surrealismo” (Fernando Cabral Martins),a profissão publicitária e a sua relação com a poesia, a atenção ao país cabisbaixo e ao absurdo do quotidiano.

A sua relação com o teatro, que passou pela reescrita, mal-amada pela crítica, de uma famosa peça de Brandão e Pascoaes, ganha interesse por não ser tão conhecida e referida. Pode causar certa estranheza o alinhamento - o gesto de se começar o volume com um texto do mui respeitável Fernando J.B. Martinho centrado na relação entre O’Neill e um poeta, Fernando Pessoa, que o próprio Martinho considera que não será dos que mais devem ao criador dos heterónimos. Só mais à frente surgem as afinidades claras. E tem interesse o levantamento que é feito da família que o autor de “De Ombro na Ombreira” fez questão de ir desenhando, irmãos autorais que preferiam palavras directas, articuladas com secura, ao artifício malabarista - como Tonino Guerra, João Cabral de Melo Neto, António Machado e Bob Dylan. Fica, em jeito de resumo dessa intenção de juntar os convivas com quem se entendia, a sentença do texto de Nuno Amado: “Os poetas que aprecia são os que recusam a alquimia e não enxotam as moscas”.

O texto da organizadora, “Animais Modestos”, talvez seja dos que mais se aproximam do programa de O’Neill, marcado, como lembra Joana Meirim, pelo “não enfático”. Mas não se caia na ilusão de pensar que quem publicou, em 1958, “No Reino da Dinamarca” não dava importância a si próprio e ao que escrevia. E ao que lia - e lia muito e sabia do que lia. Pode é dizer-se que Alexandre O’Neill dava tanta importância à vida e à literatura que não queria fazer delas pretextos para petulâncias e afectações. Isto é precioso, não vamos perder tempo. Tirar peso às coisas é uma forma de as apresentar na sua justa e digna medida.

 

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publicado às 22:53

Bitoque

por Nuno Costa Santos, em 28.02.18

Hoje, quando fui buscar o portátil que estava avariado, passei por um café ali para o lado das Olaias. Do nada, quando bebia a bica, a dona do café virou-se para mim e disse: "Deus que nos dê saúde e um bitoque para a mesa". Achei perfeita a formulação. Agradeci e fui-me embora com o troco e a frase arrumada na carteira.

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publicado às 07:58

Meteorologia

por Nuno Costa Santos, em 28.02.18

Antigamente a meteorologia era interessante. Enganava-se, tinha angústias, roía as unhas, sofria de insónias. Às vezes acertava, outras vezes estatelava-se ao comprido. E a gente aceitava tudo porque era assim que as coisas funcionavam. Agora, tudo o que se prevê, realiza-se. Uma chatice, Anda aí a chuva anunciada e vai durar a semana toda. Acabou-se o mistério. Uma pena. Saudades da meteorologia com dúvidas.

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publicado às 07:57

Luis Fernando Verissimo

por Nuno Costa Santos, em 26.02.18

Texto que escrevi sobre o homenageado da edição deste ano das Correntes d'Escritas. Não pôde aparecer e assim o público presente na Póvoa ficou poupado à sua estridente timidez. Foi ele que escreveu um dia: “Quando falo em público, não sei quem sofre mais, se sou eu ou se é o público”. Viva Verissimo. Texto aqui.

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publicado às 11:46

Onésimo

por Nuno Costa Santos, em 25.02.18

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Ao saber que Onésimo Teotónio Almeida foi designado pelo Presidente da República para presidir às comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, sinto de imediato tratar-se de um gesto naturalíssimo, da mais inteira justiça. Se há alguém que tem pensado Portugal de um modo original e persistente e conhece as comunidades portuguesas dos Estados Unidos e do Canadá é o autor de “Rio Atlântico” e "Viagens na Minha Era". Não é que, depois de uma vida académica intensa, com continuada produção intelectual e um reconhecimento crescente por cá (demorou mas chegou), precisasse disso. Mas é justo e faz sentido.

“A Obsessão da Portugalidade”, o seu último livro, ajuda-nos a perceber o que somos e como nos pensamos - em várias tradições. Faz críticas e elogios e um dos elogios maiores vai para Eduardo Lourenço, entretanto destratado por alguns elementos das ciências sociais, que vê como um pensador de síntese, de grande poder intuitivo, situado entre “o sentimento” de Pascoaes e “a razão” de António Sérgio.

Inspirado em Lourenço defende, nesse mesmo livro, algo elementar mas pouco formulado: a única coisa que une os portugueses é Portugal. E que cada português constrói Portugal à sua maneira, para além de quaisquer constrangimentos impostos - sem que isso apague um sentimento de pertença que de quando em quando emerge.

Sente-se que Onésimo, aos 71 anos, está mais apaziguado com um certo Portugal. E que, apesar de manter as críticas ao vícios nacionais, como o de se falar muito e se fazer pouco, como o de ser impossível debater aqui sem descambar no insulto, como o de nos mantermos deslumbrados com termos estrangeiros e modalidades fáceis de tratar o turismo, vê uma nova abertura no país, o fim de um longo período de oco e vaidoso ensimesmamento.

O país que valoriza também é o país dos pequenos territórios, das regiões, das localidades, das pequenas cidades e vilas. Os lugares onde se vive e os lugares de onde se veio. Disse, em entrevista: por muito que se queira ser global, “a ligação à terra em que se vive, mas sobretudo aquela em que se passam os anos formativos da vida, acaba por emoldurar um pano de fundo que afeta, mais ou menos intensamente, os seres humanos para toda a sua vida”. E isso em Onésimo acontece com Portugal, em geral, e com os Açores, em particular.
(Uma nota, por fim. Dado o sentido de humor de Marcelo e Onésimo, imagino que os serões pós-cerimónia merecerão ser depois consagrados em livro. Já deverá haver movimentações editoriais).

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publicado às 02:06

Cabelos brancos

por Nuno Costa Santos, em 24.02.18

No outro dia, durante um almoço, uma agremiação diversa de trintões e quarentões começou a falar da inevitável problemática dos cabelos brancos. Quem tem, quem não tem. Essas coisas. Não o disse na altura mas digo-o agora: já me começaram a aparecer cabelos brancos, sim. Tenho-os topado num espelho que já me viu mais novo. Contei cinco. É urgente, pois, começar a ter problemas de memória.

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publicado às 00:50

youtubers

por Nuno Costa Santos, em 24.02.18

Admito que não tenho problemas, como pai, com os youtubers lusos. Até, em tempos, escrevinhei uma prosa amável sobre o fenómeno. E já fui a um encontro no Coliseu com a rapaziada. São, de certo modo, os cronistas da nova geração. Quanto aos conselhos para não obedecerem aos pais, fazem-me lembrar aquele álbum do Fachada, o “É Pra Meninos”, exercício lúdico de inverter todas as normas que regulam uma casa hierarquizada. Se os meus filhos não me obedecem sei que isso não se deve aos youtubers, até porque topo que, secretamente, os relativizam, que se riem com eles mas também deles, que não levam à letra as conversas que apelam a qualquer tipo de revolução francesa doméstica. Portanto, se algum diz me virem com a cabeça cortada não culpem os youtubers, as suas bocas e figuras de estilo. Culpem um charcuteiro que foi lá a casa fazer um servicinho que acabou mal. O que me perturba mais nos youtubers não são os apartes de "bad boy". É a obsessão com as audiências, é o olhar o mundo como um campeonato de visualizações, é a desvalorização de gestos criativos minoritários. É sobre isso que um dia quero ter uma conversa com os meus filhos.

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publicado às 00:48

Primeiro

por Nuno Costa Santos, em 24.02.18

Li o primeiro texto de “O Aprendiz de Feiticeiro”, de Carlos de Oliveira. Pequeno portento de uma literatura com a qual me identifico. A da primeira pessoa, às voltas com citações e uma viagem de carro, numa prosa ora directa, sem ser vulgar, ou ondulante, com formulações originais: “E as palavras, suspensas no fumo do cigarro, param um momento a poucos centímetros da boca”. Há o condutor. E uma mulher, Gelnaa, que dormita ao seu lado. O condutor espera que ela não acorde para não o ouvir falar sozinho, a repetir um verso de Adriano que o tem o perseguido e que já encontrou em Aquilo Ribeiro, Marguerite Yourcenar e Jorge de Sena. (Lembrei-me de Cardoso Pires e do seu "Anjo Ancorado"). A mulher, a dado momento, acorda e tem uma declaração irónica: “Sabes, um suicídio a dois só com o acordo de ambos e tu não me perguntaste nada, pois não?”

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publicado às 00:46

Pelos caminhos de Portugal, uma provocação à paisagem

por Nuno Costa Santos, em 07.02.18

Álvaro Domingues, geógrafo, professor, ensaísta, também parece ter esse fascínio em fazer uma montagem de vozes, dos textos de biblioteca às prosas da internet. Ele sabe que a forma mais certeira de dizer o mundo de hoje – no caso o de Portugal – é a de o mostrar na sua impureza. E intercalando os tempos. O capítulo mais arriscado de Volta a Portugal chama-se “Os Fados da Portugalidade” e consiste numa colagem de textos de figuras com mundividências tão diversas como Fernando Pessoa, António de Oliveira Salazar, Jaime Cortesão, Antero de Quental, Almeida Garrett e Guerra Junqueiro. Engenhosa construção que termina com uma fotografia daquilo que parece ser um cemitério de sanitas.

 

Mais aqui.

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publicado às 01:09


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