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A poesia continua a mexer entre as novas gerações. Lemos o sétimo número da Apócrifa e fizemos uma visita às Terças de Poesia Clandestina, que agora estão no Desterro. Hoje há mais uma edição: a 73.
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A crónica da semana.
O café à minha frente, a escaldar em cima da mesa. Depois do entusiasmo dos primeiros dias, penso que isto de entrar em Setembro com a força toda acaba sempre com alguém a dizer: "Tem calma contigo, que ainda estamos no início". Se não diz, mostra-o, com interjeições e outros travões. Somos, assim, portugueses, temos a manha toda – e acabamos por fazer trabalho, no intervalo das nossas desculpas. Depois mete-se a rentrée e, logo a seguir, o Natal. "E sabes como é que é com os jantares e as compras. Um stresse".
Bebo o café, levanto-me e, na hora de pagar o devido pela bica, coloco as moedas numa máquina. A máquina devolve-me o troco. Atenção: nesse instante não estou sozinho, como qualquer cidadão no sempre poético instante de pagar o IRS pela Internet. À minha frente mora uma humana figura que programa o montante e me dá instruções. Funcionário e máquina fazem uma equipa perfeita.
Se a presença da máquina esfria a relação com o cliente? Não necessariamente.
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Um elogio mais do que merecido para a mão de Haruf, para o seu talento em criar frases com as palavras-notas certas (traduzidas, com respeito por esse dicionário despojado, por Paulo Ramos), a fazer lembrar a precisão que se associa à escrita de um Raymond Carver. Há também aqui um certo “dirty realism” na económica descrição de idas ao supermercado, na referência a marcas de chocolates e escovas de dentes, uma intenção de nomear o concreto sobre o qual acontece esta alegria breve. São conseguidos estes diálogos, naturalistas, mas suficientemente discretos para não caírem em açucaradas reflexões sobre o sentido da vida. Há aqui clichés, sim, mas aqueles clichés de todas as existências, necessários para aludir a qualquer relação amorosa, qualquer vida que traga consigo a cauda fantasmagórica do passado. À capacidade para pôr as personagens a falar sobre temas decisivos sem parecerem sábias e definitivas, junta-se um ingrediente humorístico, que tira peso a qualquer vertigem por um tom sentencioso. Durante um telefonema, Louis pergunta se está a experienciar um contacto preparatório para um encontro sexual. Addie responde com um misto de ironia e ternura: “São apenas duas pessoas de idade a conversar às escuras”.
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No café, sou um dos cromos do pedaço. Talvez o mais misterioso. Ninguém sabe o que faço. Estou à volta do computador, muitas vezes rodeado de livros, nem sempre concentrado no texto que devo escrever. Sou um ser observado, pertenço à repartição mas, felizmente, ninguém me convida para os jantares de Natal.
Todos os dias ia ao café. Ficava lá até à noite e só pedia uma bica. No início, todos o criticaram, chamando-o sovina e aproveitador. Ao fim de umas décadas o dono do estabelecimento agradeceu-lhe as obras que fez na marquise. Comovido, recebeu como presente um abatanado que se derramou mesmo antes de chegar à mesa.
Hoje não precisei de pedir. Colocaram-me o café à frente quando me aproximei. Foi uma atenção, quase um carinho. Já passou demasiado tempo. Já é tarde demais para perguntar o nome da funcionária. Amanhã, sei o que a casa gasta, vão ofender-me outra vez com um “O que é que vai ser?”. É assim. Já estou habituado.
Há a igualdade de género. E há a igualdade de fazer género. Convenhamos que nesta – basta passear em várias esquinas reais e virtuais - até existe um bom equilíbrio entre todos
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