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No fim dos livros de Lobo Antunes já não virá só a lista dos que já que escreveu. Também passará a vir a lista das que já deu.
Há a solidão de quarto. A solidão de repartição e de biblioteca. A solidão de elevador. E há a solidão de semáforo. A solidão de semáforo é aquela que experimenta o automobilista solitário que espera pelo momento em que o semáforo fica verde. O peão também mas hoje penso no condutor e só o primeiro da fila, só aquele que está a solo dentro da viatura, aquele que se sentiu obrigado a estacionar em cima da faixa da branca. É a solidão vermelha, aquela que convida a que se pense na vida de todos os dias ou na viagem que não se vai fazer ou no crédito que agora anda a ser novamente oferecido em bandejas ou na relação que agora começa ou naquela que foi declarada insolvente pelas autoridades sentimentais. A solidão de semáforo é mais funda de noite, quando há poucas solidões de semáforo nas ruas. É uma solidão que, se o rádio estiver desligado, permite que se ouça esse barulho intermitente que fazem os semáforos e que não nos chega quando há gente a ir ou vir da oficina. A solidão de semáforo apaga-se quando o sinal fica verde, de um modo fútil e violento. Faz falta, a solidão de semáforo.
Cada vez percebo melhor as pessoas que, sendo amigas de facebook, depois, quando se vêem na rua, não se cumprimentam. Isto é uma maçonaria e não convém que os maçons se cumprimentem fora do ambiente da sociedade onde praticam os seus códigos esquisitos.
Por que é que hei-de falar na rua com alguém que há meia hora atrás vi de avental numa cave a exprimir, entre dezenas de gatos, ideias incompreensíveis, com sinais estranhos a acompanhar?
Paguei dez euros pela viagem. Ele não tinha troco suficiente e fez-me um desconto de 12 cêntimos. Saí, rápido, do carro e disse-lhe: foi a primeira vez que recebi uma gorjeta de um taxista. Ele riu-se, eu também. Hoje vou para a cama feliz.
A palavra arruada domina estes dias eleitorais. Não se pode dizer que tenha uma dignidade por aí além. “O que é que estiveste a fazer ontem?” “Fui a uma arruada em São João da Cartuxa”. Ninguém se torna finalista do PEN Clube à conta disto.
A arruada também se tornou um novo local de romântica conquista: “Queres que te leve a à arruada da Coligação no domingo?”. É uma possibilidade mas não proporciona a intimidade e a quietude necessárias ao mais urgente dos amores. Era como ir aos carrinhos de choque pedir â Susana do 9º E em namoro. Ela até podia ter um fraquinho pelo pretendente mas não conseguia ouvir uma palavra que fosse do que dizia.
Não se percebe por que é que a Time Out não faz uma edição nacional com um guia semanal das melhores arruadas. Aquelas com menos encontrões, com mais churros, com mais populares indignados, com mais densidade ideológica e citações de Burke, com mais gente com cabedal para levantar a Catarina Martins e o Paulo Portas em ombros.
Exige-se um crítico de arruadas.
Há muita gente a zangar-se por causa dos refugiados. Os que são a favor da sua vinda cortam relações com os que não a querem. O contrário também acontece. Permitam-me a extravagância: até ao momento ainda não me incompatibilizei com ninguém. Vou tentar até ao fim do dia de hoje. Não prometo nada.
A situação é complexa, por mais que se diga o contrário, mas sou a favor de acolher uma multidão em apuros que não encontra outro sítio onde viver. Se vierem no meio personagens indesejáveis, a polícia que tome conta da ocorrência.
Mas não é esta tese privada que me traz à escrita. É a misteriosa intolerância na qual estacionámos. Percebo muito mal uma sociedade que, parecendo crescer em púlpitos, dinamita o convivial debate – ou que só o admite até certo ponto. Choca-me porque cresci em ambiente de discussão - muitas vezes dura – à mesa. E é assim que quero continuar a viver. Discordando. Não expulsando do convívio quem pensa de um modo distante do meu.
O resto aqui.
Oferta dos filhos que cria uma grande responsabilidade. É assim que se obriga alguém a se tornar um génio.
"Uma sombra tem para mim mais significado do que simplesmente o objecto descrito. É uma maneira de contemplar as coisas e as pessoas à minha volta". Lourdes Castro
O meu filho de um ano tem uma paixão tal por jornais que não se limita a lê-los. Come-os. É um amor canibal, sim. Por ele a imprensa escrita terá uma vida curta.
Segunda, dia 14 de Setembro, às 23h45, passa na RTP 2 o documentário "Ruy Belo, Era uma Vez". Estive envolvido na empreitada como autor da ideia, como entrevistador, como corealizador. Acima de tudo, como leitor que queria agradecer ao poeta e fazer um cruzamento possível entre vida e obra, entre obra e vida. Tenham um bom serão.
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