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Em Novembro de 1997, o Miguel Romão e eu entrevistámos para a revista universitária Inventio um jornalista português que praticava o jornalismo da pequena história,- aquela que conta o pequeno gesto revelador da condição humana. Chamava-se Ferreira Fernandes e na altura era editor na revista Visão e escrevia crónicas para o Tal e Qual e para a TSF. Havia publicado dois livros sobre emigração.
Hoje o Ferreira Fernandes que admirava e admiro - no seu jeito para condensar em pequenas frases o caos do mundo - vai dizer umas palavras no lançamento de um livro que escrevi, "Vou Emigrar para o Meu País". As gratas razões para o ter convidado para estar hoje à tarde na FNAC Chiado estão nas respostas que deu nessa entrevista.
“As pessoas gostam de histórias. Não sei se com as fracas televisões que temos e com o jornalismo mais cor-de-rosa esse gosto se vai perder. É possível. Mas eu julgo que não. Porque é inerente a nós: as pessoas gostam de histórias de pessoas. Com aquilo que de fundamental têm as pessoas que contam as coisas banais, mas ao mesmo fundamentais: é o amor, é a vida, é o sangue…”.
(…)
O essencial que eu tenho da política é o seguinte: eu sei que os pais negros choram a morte de uma filha da mesma maneira que os pais brancos.
(…)
Mais do que contar as grandes clivagens entre as organizações políticas, eu falo da empregada do Hotel que me foi levar a um lugar e reparo que quando ela passa por um espelho abana a cabeça para olhar a crina, para olhar os cabelos. E extrapolo uma vontade daquela mulher de ter orgulho nos cabelos. E ali, na Argélia, ter orgulho nos cabelos não é propriamente uma propaganda ao Vidal Sassoon, ou qualquer dessas marcas de dois em um. É uma questão de afirmação pessoal.
(…) Num jogo de futebol torço pela Holanda, que tem pretos e brancos, e não pela Costa do Marfim, que tem só negros ou pela Alemanha que tem só brancos. O meu coração vai logo para ali.
(…)
A situação que mais me tocou enquanto repórter foi quando estive seis semanas com a UNITA e, ao regressarmos do Norte, acima do caminho-de-ferro de Benguela, para posições mais seguras, havia uma rapariga que vinha ferida e ardia em febre… Eu tinha no bolso um toalhete da TAP, desses que normalmente deito fora, e dei-lho. Vi-lhe, ao passar aquilo na cara, uma surpresa e um prazer por um bem de que normalmente prescindo e deito fora”.
Começámos a chegar àquela altura do ano em que se torna ainda mais difícil resolver o mais miserável dos assuntos: "Ah, esta semana não pode ser porque a Carla, que é quem trata deste assunto, está de férias". "E se, em vez da Carla, for a Tânia a tratar do assunto?". "A Tânia também está de férias". "E se for a Isilda". "A Isilda também está de férias". "E se for o Zé António?". "O Zé António não pode porque não domina esse assunto". Não me interpretem mal: sou sensível ao direito às férias, até mesmo ao meu. Mas o problema é que, diz-me a memória, no resto do ano não é muito diferente. Quem nos pode tratar do assunto está sempre de férias. Só volta daqui a quinze dias. Um mistério da humanidade.
Um gajo percebe que está a ficar pretencioso quando começa a colocar aspas em tudo o que é palavra.
A esperança é a última coisa a morrer mas o facto é que também morre.
Afinal vai haver segundo resgate: o jogo com os EUA.
Quando eu tinha 17 anos o meu pai achou que o filho não devia seguir o curso de Comunicação Social porque depois iria ficar no desemprego. Estrebuchei, zanguei-me, irritei-me. O tempo veio dar-lhe razão e isso entristece-me: ter de dar razão ao meu pai neste assunto. Não estou desempregado mas há muitos companheiros meus que estão. Há cada vez menos trabalho para os jornalistas e a última notícia na área é que há um grupo que vai despedir de uma só vez 140 trabalhadores e rescindir colaborações com 20 pessoas. É mais uma acha para a fogueira de um prenúncio de morte.
E o que é que isto significa? Que há uma data de gente, muita dela acima dos 40, que vai andar a bater a portas inexistentes numa praceta cada vez mais pequena. Como é que vão sobreviver? Só os milagres poderão dar uma resposta.
Diz-se e bem que não há democracia sem jornalismo. Direi mais: não há democracia sem bom jornalismo, exigente, feito de frescura mas também de experiência, de olhar atento e experimentado, mais sabedor das curvas que a vida pública pode dar.
Ser jornalista - com 20, 30, 40, 50, 60 anos - é ser cada vez mais um sobrevivente, uma ave que consegue aguentar um poiso apenas por uma temporada. Há uma mudança na forma como se lê jornais mas também as políticas fazem o cidadão pensar se deve guardar os tostões em vez de os empregar a comprar um periódico.
O resto aqui.
Acordo, consulto as notícias, entro nas redes sociais e fico a saber que desmaiou um homem em público. Um homem que é presidente da República – no qual nunca votei e cuja acção política está a milhas daquela que desejava que fosse – mas um homem. E o que é que topo nas conversas e nas notas de gente que julgo ter um sentido humanista da existência? Zombaria do desmaio do homem. Riso. Não quero acreditar que se tivesse morrido a gargalhada teria sido maior.
É isto que queria dizer, como dizia o outro: este ódio anda a matar as gentes por dentro. Com uma agravante: sem que se apercebam disso. Chegámos ao ponto em que um homem que desmaia, que desfalece, não merece um instante senão de empatia pelo menos de silêncio. Nem sequer vou falar do facto de ter sido eleito por voto da maioria. Vou apenas referir que é um ser de carne e osso e que, mesmo desafinado, também tem um coração.
Um homem é um homem é um homem. Abra-se os olhos. Quem cai, mesmo que seja um adversário, não merece um pontapé verbal, uma risada de escárnio, vinda do alto de uma janela. Merece a espera necessária a que se recomponha para voltar a ser rebatido. Não contem comigo para a festa do desmaio dos outros. O cinismo é uma ditadura do espírito. O cinismo é um desmaio das ideias.
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